História

Tudo começou com a vocação e força de vontade de Yvone Venditti, paulistana de origem, que morava em Curitiba e faz parte da Congregação das Irmãs Felicianas. A “irmã”, como é chamada por amigos e conhecidos, estava prestes a completar 50 anos quando veio a São Paulo para começar a trabalhar no que viria a ser a Vivenda da Criança. Ela conta como e quando este desejo tocou seu coração:

“Uma das minhas irmãs fazia faculdade e trazia sempre uma colega para a igreja. Essa colega fazia trabalhos com moradores de rua e ia para São Paulo participar de congressos sobre desigualdade social. Certo dia ela me contou sobre uma chacina em que morreram uns 7 adolescentes na Zona Oeste de São Paulo. Era naquele esquema de briga de gangues, um vai lá, mata um, o outro da outra turma vem e mata outro, e assim vai. Quando eu ouvi essa história e outras que ela me contava, eu me sentia com uma vida tão certinha, tão arrumadinha. Assim, percebi que eu poderia fazer mais pelo próximo, me doar mais.”

Quatro horas para ir e voltar

Após pesquisar e elaborar o que gostaria de fazer a respeito, a irmã pediu transferência para um convento na periferia de São Paulo, próximo à estrada de Itapecerica. Aos poucos, começou a desenvolver um trabalho com meninos de rua, ajudando-os a deixar as drogas. Essa iniciativa foi feita junto a uma parceira da irmã, que a acompanhava nas conversas com as crianças. Estas viviam em Carapicuíba, aonde Yvone ia todos os dias. Eram cerca de quatro horas para ir e quatro para voltar. A irmã permaneceu nessa rotina por um ano.

Um lugar para morar

Com o tempo, ficou claro para a irmã que os meninos necessitavam de um lugar para morar: “Um dos garotos que conhecemos, disse que havia perdido dois amigos que dormiam na rua, um queimado e outro com tiro. E que uma das coisas que mais queria era uma casa, nem que fosse só para dormir. A gente cativa essas crianças, trava um bom relacionamento com elas, mas e depois? Não dá pra largar mais”.

Assim, a irmã decidiu que era hora de arrumar uma casa para abrigar e educar crianças de rua. Com a ajuda da família, de amigos e de “amigos de amigos”, conseguiu juntar dinheiro para comprar um grande terreno que, além de ficar próximo à congregação onde estava hospedada, era no bairro de Parelheiros, que precisava de intenso trabalho social.

Construção

Para construir a casa, Yvone foi atrás de patrocinadores que se interessassem pela causa: um lar para meninos em situação de risco ou abandono na região mais pobre da periferia de São Paulo, na subprefeitura de Parelheiros. Um dos primeiros parceiros a se solidarizar com o projeto foi o instituto C&A que ajudou em muitas construções na Vivenda.

Em 14 de outubro de 1989, Yvone inaugurou a associação sob o nome de “Vivenda da Criança”. Durante o levantamento da obra, a irmã já havia contatado vários garotos abandonados na região. Cada um dos meninos foi aceito após a permissão de suas respectivas famílias. O propósito era colocá-los na escola, oferecer uma boa educação e trabalhar os seus valores. Quando a criança estivesse com hábitos sociais saudáveis, voltaria para casa.

Os meninos

Os meninos que Yvone encontrou nas ruas, em sua maioria, tinham abandonado suas moradias e não queriam mais voltar por conta da violência doméstica e o abuso em família. Mas não era só isso. Havia ocasiões em que as crianças deixaram suas casas por não encontrar condições mínimas de moradia, por vários motivos: muita gente morando dentro de um só cômodo, condições insalubres, etc.

Os melhores de suas turmas

Na medida em que os meninos foram indo para a Vivenda, a irmã tinha de correr atrás de uma boa escola para eles. Mas havia um problema: os colégios públicos dificilmente aceitam crianças que abandonaram os estudos. Para buscar uma solução, Yvone apresentou o projeto da Vivenda para uma escola vizinha, mostrou o trabalho que vinha fazendo e acabou sensibilizando os diretores, que se tornaram parceiros. “Eu fazia minha parte e eles faziam a deles. A escola fazia um trabalho diferenciado com os meninos, pois era sabido que eles necessitavam de um acompanhamento diferente. Quando ‘aprontavam’, a diretora ao invés de dar bronca, conversava e aconselhava, como amiga deles. Nesse esquema, com carinho, paciência e acompanhamento, em um ano os meninos ficaram entre os melhores alunos de suas turmas.”

Cuidando de tudo

No período de um ano, a irmã, com ajuda de uma cozinheira, cuidava de 12 meninos. Levava e buscava na escola, fazia comida, conversava, trabalhava os conceitos morais, fazia o reforço escolar, colocava para dormir, cuidava da casa, do jardim, pagava as contas e por aí afora.

Os anos foram passando e, graças ao destino, apareceram voluntários, novos parceiros, doadores e novas ideias. Quando a Vivenda já estava com estrutura para cuidar de 24 meninos, Yvone pensou em criar novos projetos para atender também a adolescentes, jovens e adultos em situação de risco social. “Eu ia a reuniões da Fundação Abrinq e a outros congressos e todos os representantes de ONGs e entidades diziam, por exemplo: ‘eu atendo a 2.000 pessoas’, e eu lá, tímida, com meus 24 meninos (risos).” – se recorda a irmã.

Novos projetos

Desde 1989, sempre com muito trabalho, a Vivenda chegou a contribuir com mais de 100 meninos. Todos foram criados com atenção, carinho e dedicação. Muitos fizeram faculdade, se formaram e se encontram hoje bem empregados. Com o tempo, a Associação cresceu, passou a ser reconhecida e já contava com uma equipe de confiança. Mas a irmã observou que ainda havia muito o se fazer: por que não estender o projeto para as famílias carentes da região de Parelheiros?

A ideia começou a se tornar realidade em 2005, com a inauguração do Centro da Juventude. Financiado em grande parte pela ACE Seguradora, o empreendimento foi criado inicialmente para desenvolver atividades junto a adolescentes e depois passou a contar com outras importantes iniciativas.

Configuração atual

Para atender de forma cada vez mais eficaz famílias inteiras da região, a Vivenda passou a contar com os serviços de profissionais de carreira, com experiência em iniciativas sociais, dentro de um processo coordenado por Yvone. Hoje a Associação atende mais de 4 mil pessoas por mês. Pode parecer muito, quando se observa a ideia inicial, de oferecer abrigo para 24 crianças abandonadas. Mas ainda é pouco quando se leva em conta os problemas existentes na área mais carente da periferia de São Paulo. Por esta razão, a Irmã Yvone continua incansável, participando da evolução desta obra tão valiosa.